sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

O Livro dos Espíritos: introdução XVI

Resta-nos ainda examinar duas objeções, únicas que realmente merecem este nome,
porque se baseiam em teorias racionais. Ambas admitem a realidade de todos os fenômenos
materiais e morais, mas excluem a intervenção dos Espíritos.
Segundo a primeira dessas teorias, todas as manifestações atribuídas aos Espíritos
não seriam mais do que efeitos magnéticos. Os médiuns se achariam num estado a que se
poderia chamar sonambulismo desperto, fenômeno de que podem dar testemunho todos os
que hão estudado o magnetismo. Nesse estado, as faculdades intelectuais adquirem um
desenvolvimento anormal; o círculo das operações intuitivas se amplia, para além das raias da nossa concepção ordinária. Assim sendo, o médium tiraria
de si mesmo e por efeito da sua lucidez tudo o que diz e todas as noções que transmite,
mesmo sobre os assuntos que mais estranhos lhe sejam, quando no estado habitual.
Não seremos nós quem conteste o poder do sonambulismo, cujos prodígios
observamos, estudando-lhe todas as fases durante mais de trinta e cinco anos. Concordamos
em que, efetivamente, muitas manifestações espíritas são explicáveis por esse meio.
Contudo, uma observação cuidadosa e prolongada mostra grande cópia de fatos em que a
intervenção do médium, a não ser como instrumento passivo, é materialmente impossível.
Aos que partilham dessa opinião, como aos outros, diremos: “Vede e observai, porque
certamente ainda não vistes tudo.” Opor-lhes-emos, em seguida, duas considerações tiradas
da própria doutrina deles. Donde veio a teoria espírita? É um sistema imaginado por alguns
homens para explicar os fatos? De modo algum. Quem então a revelou? Precisamente esses
médiuns cuja lucidez exaltais. Ora, se essa lucidez é tal como a supondes, por que teriam
eles atribuído aos Espíritos o que em si mesmos hauriam? Como teriam dado, sobre a
natureza dessas inteligências extra-humanas, as informações precisas, lógicas e tão
sublimes, que conhecemos? Uma de duas: ou eles são lúcidos, ou não o são. Se o são e se
se pode confiar na sua veracidade, não haveria meio de admitir-se, sem contradição, que
não estejam com a verdade. Em segundo lugar, se todos os fenômenos promanassem do
médium, seriam sempre idênticos num determinado indivíduo; jamais se veria a mesma
pessoa usar de uma linguagem disparatada, nem exprimir alternativamente as coisas mais
contraditórias. Esta falta de unidade nas manifestações obtidas pelo mesmo médium prova a
diversidade das fontes. Ora, desde que não as podemos encontrar todas nele, forçoso é que
as procuremos fora dele.
Segundo outra opinião, o médium é a única fonte produtora de todas as
manifestações; mas, em vez de extraí-las de si mesmo, como o pretendem os partidários da
teoria sonambúlica, ele as toma ao meio ambiente. O médium seria então uma espécie de
espelho a refletir todas as idéias, todos os pensamentos e todos os conhecimentos das
pessoas que o cercam; nada diria que não fosse conhecido, pelo menos, de algumas destas.
Não é lícito negar-se, e isso constitui mesmo um princípio da doutrina, a influência que os
assistentes exercem sobre a natureza das manifestações. Esta influência, no entanto, difere muito da que supõem existir, e, dela à que faria do médium
um eco dos pensamentos daqueles que o rodeiam, vai grande distância, porquanto milhares
de fatos demonstram o contrário. Há, pois, nessa maneira de pensar, grave erro, que uma
vez mais prova o perigo das conclusões prematuras. Sendo-lhes impossível negar a
realidade de um fenômeno que a ciência vulgar não pode explicar e não querendo admitir a
presença dos Espíritos, os que assim opinam o explicam a seu modo. Seria especiosa a
teoria que sustentam, se pudesse abranger todos os fatos. Tal, entretanto, não se dá. Quando
se lhes demonstra, até à evidência, que certas comunicações do médium são completamente
estranhas aos pensamentos, aos conhecimentos, às opiniões mesmo de todos os assistentes,
que essas comunicações freqüentemente são espontâneas e contradizem todas as idéias
preconcebidas, ah! eles não se embaraçam com tão pouca coisa. Respondem que a
irradiação vai muito além do círculo imediato que nos envolve; o médium é o reflexo de
toda a Humanidade, de tal sorte que se as inspirações não lhe vêm dos que se acham a seu
lado, ele as vai beber fora, na cidade, no país, em todo o globo e até nas outras esferas.
Não me parece que em semelhante teoria se encontre explicação mais simples e
mais provável que a do Espiritismo, visto que ela se baseia numa causa bem mais
maravilhosa. A idéia de que seres que povoam os espaços e que, em contacto conosco, nos
comunicam seus pensamentos, nada tem que choque mais a razão do que a suposição dessa
irradiação universal, vindo, de todos os pontos do Universo, concentrar-se no cérebro de um
indivíduo.
Ainda uma vez, e este é o ponto capital sobre que nunca insistiremos bastante: a
teoria sonambúlica e a que se poderia chamar refletiva foram imaginadas por alguns
homens; são opiniões individuais, criadas para explicar um fato, ao passo que a Doutrina
dos Espíritos não é de concepção humana. Foi ditada pelas próprias Inteligências que se
manifestam, quando ninguém disso cogitava, quando até a opinião geral a repelia. Ora,
perguntamos, onde foram os médiuns beber uma doutrina que não passava pelo pensamento
de ninguém na Terra? Perguntamos ainda mais: por que estranha coincidência milhares de
médiuns espalhados por todos os pontos do globo terráqueo, e que jamais se viram,
acordaram em dizer a mesma coisa? Se o primeiro médium que apareceu na França sofreu a
influência de opiniões já aceitas na América, por que singularidade foi ele buscá-las a 2.000 léguas além-mar e no seio de um povo tão diferente pelos costumes e pela linguagem,
em vez de as tomar ao seu derredor?
Também ainda há outra circunstância em que não se tem atentado muito. As
primeiras manifestações, na França, como na América, não se verificaram por meio da
escrita nem da palavra, e, sim, por pancadas concordantes com as letras do alfabeto e
formando palavras e frases. Foi por esse meio que as inteligências, autoras das
manifestações, se declararam Espíritos. Ora, dado se pudesse supor a intervenção do
pensamento dos médiuns nas comunicações verbais ou escritas, outro tanto não seria lícito
fazer-se com relação às pancadas, cuja significação não podia ser conhecida de antemão.
Poderíamos citar inúmeros fatos que demonstram, na inteligência que se manifesta,
uma individualidade evidente e uma absoluta independência de vontade. Recomendamos,
portanto, aos dissidentes, observação mais cuidadosa e, se quiserem estudar bem, sem
prevenções, e não formular conclusões antes de terem visto tudo, reconhecerão a
impotência de sua teoria para tudo explicar. Limitar-nos-emos a propor as questões
seguintes: Por que é que a inteligência que se manifesta, qualquer que ela seja, recusa
responder a certas perguntas sobre assuntos perfeitamente conhecidos, como, por exemplo,
sobre o nome ou a idade do interlocutor, sobre o que ele tem na mão, o que fez na véspera,
o que pensa fazer no dia seguinte, etc.? Se o médium fosse o espelho do pensamento dos
assistentes, nada lhe seria mais fácil do que responder.
A esse argumento retrucam os adversários, perguntando, a seu turno, por que os
Espíritos, que devem saber tudo, não podem dizer coisa tão simples, de acordo com o
axioma: Quem pode o mais pode o menos, e daí concluem que não são os Espíritos os que
respondem. Se um ignorante ou um zombador, apresentando-se a uma douta assembléia,
perguntasse, por exemplo, por que é dia às doze horas, acreditará alguém que ela se daria o
incômodo de responder seriamente e fora lógico que, do seu silêncio ou das zombarias com
que pagasse ao interrogante, se concluísse serem todos os seus membros? Ora, exatamente
porque os Espíritos são superiores, é que não respondem a questões ociosas ou ridículas e
não consentem em ir para a berlinda; é por isso que se calam ou declaram que só se ocupam
com coisas sérias.
Perguntaremos, finalmente, por que é que os Espíritos vêm e vão-se, muitas vezes
em dado momento e, passado este, não há pedidos, nem súplicas que os façam voltar? Se o médium obrasse unicamente
por impulsão mental dos assistentes, é claro que, em tal circunstância, o concurso de todas
as vontades reunidas haveria de estimular-lhe a clarividência. Desde, portanto, que não cede
ao desejo da assembléia, corroborado pela própria vontade dele, é que o médium obedece a
uma influência que lhe é estranha e aos que o cercam, influência que, por esse simples fato,
testifica da sua independência e da sua individualidade.

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