quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O Livro dos Espíritos: introdução XIV

Passaríamos de longe pela objeção que fazem alguns cépticos, a propósito das faltas
ortográficas que certos Espíritos cometem, se ela não oferecesse margem a uma observação
essencial. A ortografia deles, cumpre dizê-lo, nem sempre é irreprochável; mas, grande
escassez de razões seria mister para se fazer disso objeto de crítica séria, dizendo que, visto
saberem tudo, os Espíritos devem saber ortografia. Poderíamos opor-lhes os múltiplos
pecados desse gênero cometidos por mais de um sábio da Terra, o que, entretanto, em nada
lhes diminui o mérito. Há, porém, no fato, uma questão mais grave. Para os Espíritos,
principalmente para os Espíritos superiores, a idéia é tudo, a forma nada vale. Livres da
matéria, a linguagem de que usam entre si é rápida como o pensamento, porquanto são os
próprios pensamentos que se comunicam sem intermediário. Muito pouco à vontade hão de
eles se sentirem, quando obrigados, para se comunicarem conosco, a utilizarem-se das
formas longas e embaraçosas da linguagem humana e a lutarem com a insuficiência e a
imperfeição dessa linguagem, para exprimirem todas as idéias. É o que eles próprios
declaram. Por isso mesmo, bastante curiosos são os meios de que se servem com freqüência
para obviarem a esse inconveniente. O mesmo se daria conosco, se houvéssemos de
exprimir-nos num idioma de vocábulos e fraseados mais longos e de maior pobreza de
expressões do que o de que usamos. É o embaraço que experimenta o homem de gênio
constitui motivo de impaciência a lentidão da sua pena sempre muito atrasada no lhe
acompanhar o pensamento. Compreende-se, diante disto, que os Espíritos liguem pouca
importância à puerilidade da ortografia, mormente quando se trata de ensino profundo e
grave. Já não é maravilhoso que se exprimam indiferentemente em todas as línguas e que as
entendam todas? Não se conclua daí, todavia, que desconheçam a correção convencional da
linguagem. Observam-na, quando necessário. Assim é, por exemplo, que a poesia por eles
ditada desafiaria quase sempre a crítica do mais meticuloso purista, a despeito da
ignorância do médium.

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