segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O Livro dos Espíritos: introdução XII

Um fato demonstrado pela observação e confirmado pelos próprios Espíritos é o de
que os Espíritos inferiores muitas vezes usurpam nomes conhecidos e respeitados. Quem
pode, pois, afirmar que os que dizem ter sido, por exemplo, Sócrates, Júlio César, Carlos
Magno, Fénelon, Napoleão, Washington, etc., tenham realmente animado essas
personagens? Esta dúvida existe mesmo entre alguns adeptos fervorosos da Doutrina
Espírita, os quais admitem a intervenção e a manifestação dos Espíritos, mas inquirem
como se lhes pode comprovar a identidade. Semelhante prova é, de fato, bem difícil de
produzir-se. Conquanto, porém, não o possa ser de modo tão autêntico como por uma
certidão de registro civil, pode-o ao menos por presunção, segundo certos indícios.
Quando se manifesta o Espírito de alguém que conhecemos pessoalmente, de um
parente ou de um amigo, por exemplo, mormente se há pouco tempo que morreu, sucede
geralmente que sua linguagem se revela de perfeito acordo com o caráter que tinha aos
nossos olhos, quando vivo. Já isso constitui indício de identidade. Não mais, entretanto, há
lugar para dúvidas, desde que o Espírito fala de coisas particulares, lembra acontecimentos
de família, sabidos unicamente do seu interlocutor. Um filho não se enganará, decerto, com
a linguagem de seu pai ou de sua mãe, nem pais haverá que se equivoquem quanto à de um
filho. Neste gênero de evocações, passam-se às vezes coisas íntimas verdadeiramente
empolgantes, de natureza a convencerem o maior incrédulo. O mais obstinado céptico fica,
não raro, aterrado com as inesperadas revelações que lhe são feitas.
Outra circunstância muito característica acode em apoio da identidade. Dissemos
que a caligrafia do médium muda, em geral, quando outro passa a ser o Espírito evocado e
que a caligrafia é sempre a mesma quando o mesmo Espírito se apresenta. Tem-se
verificado inúmeras vezes, sobretudo se se trata de pessoas mortas recentemente, que a
escrita denota flagrante semelhança com a dessa pessoa em vida. Assinaturas se hão obtido
de exatidão perfeita. Longe estamos, todavia, de querer apontar esse fato como regra e
menos ainda como regra constante. Mencionamo-lo apenas como digna de nota.
Só os Espíritos que atingiram certo grau de purificação se acham libertos de toda
influência corporal. Quando ainda não estão completamente desmaterializados (é a
expressão de que usam) conservam a maior parte das idéias, dos pensadores e até das
manias que tinham na Terra, o que também constitui um meio de reconhecimento, ao qual
igualmente, se chega por uma imensidade de fatos minuciosos, que só uma observação
acurada e detida pode revelar. Vêem-se escritores a discutir suas próprias obras ou
doutrinas, a aprovar ou condenar certas partes delas; outros a lembrar circunstâncias
ignoradas, ou quase desconhecidas de suas vidas ou de suas mortes, toda sorte de
particularidades, enfim, que são, quando nada, provas morais de identidade, únicas
invocáveis, tratando-se de coisas abstratas.
Ora, se a identidade de um Espírito evocado pode, até certo ponto, ser estabelecida
em alguns casos, razão não há para que não o seja em outros; e se, com relação a pessoas,
cuja morte data de muito tempo, não se têm os mesmos meios de verificação, resta sempre
o da linguagem e do caráter, porquanto, inquestionavelmente, o Espírito de um homem de
bem não falará como o de um perverso ou de um devasso. Quanto aos Espíritos que se
apropriam de nomes respeitáveis, esses se traem logo pela linguagem que empregam e pelas
máximas que formulam. Um que se dissesse Fénelon, por exemplo, e que, ainda quando
apenas acidentalmente ofendesse o bom-senso e a moral, mostraria, por esse simples fato, o
embuste. Se, ao contrário, forem sempre puros os pensamentos que exprima, sem
contradições e constantemente à altura do caráter de Fénelon, não há motivo para que se
duvide da sua identidade. De outra forma, havíamos de supor que um Espírito que só prega
o bem é capaz de mentir conscientemente e, ainda mais, sem utilidade alguma.
A experiência nos ensina que os Espíritos da mesma categoria, do mesmo caráter e
possuídos dos mesmos sentimentos formam grupos e famílias. Ora, incalculável é o número
dos Espíritos e longe estamos de conhecê-los a todos; a maior parte deles não têm mesmo
nomes para nós. Nada, pois, impede que um Espírito da categoria de Fénelon venha em seu
lugar, muitas vezes até como seu mandatário. Apresenta-se então com o seu nome, porque
lhe é idêntico e pode substituí-lo e ainda porque precisamos de um nome para fixar as
nossas idéias. Mas, que importa, afinal, seja um Espírito, realmente ou não, o de Fénelon?
Desde que tudo o que ele diz é bom e que fala como o teria feito o próprio Fénelon, é um bom Espírito. Indiferente é o nome pelo qual se dá a conhecer, não passando
muitas vezes de um meio de que lança mão para nos fixar as idéias. O mesmo, entretanto,
não é admissível nas evocações íntimas; mas, aí, como dissemos há pouco, se consegue
estabelecer a identidade por provas de certo modo patentes.
Inegavelmente a substituição dos Espíritos pode dar lugar a uma porção de
equívocos, ocasionar erros e, amiúde, mistificações. Essa é uma das dificuldades do
Espiritismo prático. Nunca, porém, dissemos que esta ciência fosse fácil, nem que se
pudesse aprendê-la brincando, o que, aliás, não é possível, qualquer que seja a ciência.
Jamais teremos repetido bastante que ela demanda estudo assíduo e por vezes muito
prolongado. Não sendo lícito provocarem-se os fatos, tem-se que esperar que eles se
apresentem por si mesmos. Freqüentemente ocorrem por efeito de circunstâncias em que se
não pensa. Para o observador atento e paciente os fatos abundam, por isso que ele descobre
milhares de matizes característicos, que são verdadeiros raios de luz. O mesmo se dá com
as ciências comuns. Ao passo que o homem superficial não vê numa flor mais do que uma
forma elegante, o sábio descobre nela tesouros para o pensamento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário