sábado, 2 de fevereiro de 2013

O Livro dos Espíritos: introdução X


Entre as objeções, algumas há das mais especiosas, ao menos na aparência, porque
tiradas da observação e feitas por pessoas respeitáveis.
A uma delas serve de base a linguagem de certos Espíritos, que não parece digna da
elevação atribuída a seres sobrenaturais. Quem se reportar ao resumo da doutrina acima apresentado, verá que os próprios Espíritos nos ensinam não haver entre eles igualdade de conhecimentos nem de
qualidades morais, e que não se deve tomar ao pé da letra tudo quanto dizem. Às pessoas
sensatas incumbe separar o bom do mau. Indubitavelmente, os que desse fato deduzem que
só se comunicam conosco seres malfazejos, cuja única ocupação consista em nos mistificar,
não conhecem as comunicações que se recebem nas reuniões onde só se manifestam
Espíritos superiores; do contrário, assim não pensariam. É de lamentar que o acaso os tenha
servido tão mal, que apenas lhes haja mostrado o lado mau do mundo espírita, pois nos
repugna supor que uma tendência simpática atraia para eles, em vez dos bons Espíritos, os
maus, os mentirosos, ou aqueles cuja linguagem é de revoltante grosseria. Poder-se-ia,
quando muito, deduzir daí que a solidez dos princípios dessas pessoas não é bastante forte
para preservá-las do mal e que, achando certo prazer em lhes satisfazerem a curiosidade, os
maus Espíritos disso se aproveitam para se aproximar delas, enquanto os bons se afastam.
Julgar a questão dos Espíritos por esses fatos seria tão pouco lógico, quanto julgar
do caráter de um povo pelo que se diz e faz numa reunião de desatinados ou de gente de má
nota, com os quais não entretêm relações as pessoas circunspectas nem as sensatas. Os que
assim julgam se colocam na situação do estrangeiro que, chegando a uma grande capital
pelo mais abjeto dos seus arrabaldes, julgasse de todos os habitantes pelos costumes e
linguagem desse bairro ínfimo. No mundo dos Espíritos também há uma sociedade boa e
uma sociedade má; dignem-se, os que daquele modo se pronunciam, de estudar o que se
passa entre os Espíritos de escol e se convencerão de que a cidade celeste não contém
apenas a escória popular.

Perguntam eles: os Espíritos de escol descem até nós? Responderemos: Não fiqueis
no subúrbio; vede, observai e julgareis; os fatos aí estão para todo o mundo. A menos que
lhes sejam aplicáveis estas palavras de Jesus: Têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não
ouvem.
Como variante dessa opinião, temos a dos que não vêem, nas comunicações
espíritas e em todos os fatos materiais a que elas dão lugar, mais do que a intervenção de
uma potência diabólica, novo Proteu que revestiria todas as formas, para melhor nos
enganar. Não a julgamos suscetível de exame sério, por isso não nos demoramos em
considerá-la. Aliás, ela está refutada pelo que acabamos de dizer. Acres-centaremos, tão-somente, que, se assim fosse, forçoso seria convir em que o diabo é às
vezes bastante criterioso e ponderado, sobretudo muito moral; ou então, em que também há
bons diabos.
Efetivamente, como acreditar que Deus só ao Espírito do mal permita que se
manifeste, para perder-nos, sem nos dar por contrapeso os conselhos dos bons Espíritos? Se
Ele não o pode fazer, não é onipotente; se pode e não o faz, desmente a Sua bondade.
Ambas as suposições seriam blasfemas. Note-se que admitir a comunicação dos maus
Espíritos é reconhecer o princípio das manifestações. Ora, se elas se dão, não pode deixar
de ser com a permissão de Deus. Como, então, se há de acreditar, sem impiedade, que Ele
só permita o mal, com exclusão do bem? Semelhante doutrina é contrária às mais simples
noções do bom-senso e da Religião.

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