terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O Livro dos Espíritos: introdução III

Como tudo que constitui novidade, a doutrina espírita conta com adeptos e
contraditores. Vamos tentar responder a algumas das objeções destes últimos, examinando
o valor dos motivos em que se apóiam, sem alimentarmos, todavia, a pretensão de
convencer a todos, pois muitos há que crêem ter sido a luz feita exclusivamente para eles.
Dirigimo-nos aos de boa-fé, aos que não trazem idéias preconcebidas ou decididamente
firmadas contra tudo e todos, aos que sinceramente desejam instruir-se e lhes
demonstraremos que a maior parte das objeções opostas à doutrina promanam de
incompleta observação dos fatos e de juízo leviano e precipitadamente formado.

Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a série progressiva dos fenômenos
que deram origem a esta doutrina.
O primeiro fato observado foi o da movimentação de objetos diversos. Designaramno
vulgarmente pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas. Este fenômeno, que
parece ter sido notado primeiramente na América, ou melhor, que se repetiu nesse país,
porquanto a História prova que ele remonta à mais alta antigüidade, se produziu rodeado de
circunstâncias estranhas, tais como ruídos insólitos, pancadas sem nenhuma causa
ostensiva. Em seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas partes do mundo. A
princípio quase que só encontrou incredulidade, porém, ao cabo de pouco tempo, a
multiplicidade das experiências não mais permitiu lhe pusessem em dúvida a realidade.
Se tal fenômeno se houvesse limitado ao movimento de objetos materiais, poderia
explicar-se por uma causa puramente física. Estamos longe de conhecer todos os agentes
ocultos da Natureza, ou todas as propriedades dos que conhecemos: a eletricidade
multiplica diariamente os recursos que proporciona ao homem e parece destinada a iluminar
a Ciência com uma nova luz. Nada de impossível haveria, portanto, em que a eletricidade
modificada por certas circunstâncias, ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa
dos movimentos observados. O fato de que a reunião de muitas pessoas aumenta a
potencialidade da ação parecia vir em apoio dessa teoria. Visto poder-se considerar o
conjunto dos assistentes como uma pilha múltipla, com o seu potencial na razão direta do
número dos elementos.
O movimento circular nada apresentava de extraordinário: está na Natureza. Todos
os astros se movem em curvas elipsóides; poderíamos, pois, ter ali, em ponto menor, um
reflexo do movimento geral do Universo, ou, melhor, uma causa, até então desconhecida,
produzindo acidentalmente, com pequenos objetos em dadas condições, uma corrente
análoga à que impele os mundos.
Mas, o movimento nem sempre era circular; muitas vezes era brusco e desordenado,
sendo o objeto violentamente sacudido, derrubado, levado numa direção qualquer e,
contrariamente a todas as leis da estática, levantando e mantido em suspensão. Ainda aqui
nada havia que se não pudesse explicar pela ação de um agente físico invisível, Não vemos
a eletricidade deitar por terra edifícios, desarraigar árvores, atirar longe os mais pesados
corpos, atraí-los ou repeli-los?
Os ruídos insólitos, as pancadas, ainda que não fossem um dos efeitos ordinários da
dilatação da madeira, ou de qualquer outra causa acidental, podiam muito bem ser produzidos pela acumulação de um
fluido oculto: a eletricidade não produz formidáveis ruídos?
Até aí, como se vê, tudo pode caber no domínio dos fatos puramente físicos e
fisiológicos. Sem sair desse âmbito de idéias, já ali havia, no entanto, matéria para estudos
sérios e dignos de prender a atenção dos sábios. Por que assim não aconteceu? É penoso
dizê-lo, mas o fato deriva de causas que provam, entre mil outros semelhantes, a leviandade
do espírito humano. A vulgaridade do objeto principal que serviu de base às primeiras
experiências não foi alheia à indiferença dos sábios. Que influência não tem tido muitas
vezes uma palavra sobre as coisas mais graves!
Sem atenderem a que o movimento podia ser impresso a um objeto qualquer, a idéia
das mesas prevaleceu, sem dúvida, por ser o objeto mais cômodo e porque, à roda de uma
mesa, muito mais naturalmente do que em torno de qualquer outro móvel, se sentam
diversas pessoas. Ora, os homens superiores são com freqüência tão pueris que não há
como ter por impossível que certos espíritos de escol hajam considerado deprimente
ocuparem-se com o que se convencionara chamar a dança das mesas. É mesmo provável
que se o fenômeno observado por Galvâni o fora por homens vulgares e ficasse
caracterizado por um nome burlesco, ainda estaria relegado a fazer companhia à varinha
mágica. Qual, com efeito, o sábio que não houvera julgado uma indignidade ocupar-se com
a dança das rãs?
Alguns, entretanto, muito modestos para convirem em que bem poderia dar-se não
lhes ter ainda a Natureza dito a última palavra, quiseram ver, para tranqüilidade de suas
consciências. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre lhes correspondeu à expectativa
e, do fato de não se haver produzido constantemente à vontade deles e segundo a maneira
de se comportarem na experimentação, concluíram pela negativa. Mau grado, porém, ao
que decretaram, as mesas - pois que há mesas - continuam a girar e podemos dizer com
Galileu: todavia, elas se movem! Acrescentaremos que os fatos se multiplicaram de tal
modo que desfrutam hoje do direito de cidade, não mais se cogitando senão de lhes achar
uma explicação racional.
Contra a realidade do fenômeno, poder-se-ia induzir alguma coisa da circunstância
de ele não se produzir de modo sempre idêntico, conformemente à vontade e às exigências do observador? Os fenômenos de eletricidade e de química não estão subordinados a certas
condições? Será lícito negá-los, porque não se produzem fora dessas condições? Que há, pois, de surpreendente em
que o fenômeno do movimento dos objetos pelo fluido humano também se ache sujeito a
determinadas condições e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se no seu
ponto de vista, pretende fazê-lo seguir a marcha que caprichosamente lhe imponha, ou
queira sujeitá-lo às leis dos fenômenos conhecidos, sem considerar que para fatos novos
pode e deve haver novas leis? Ora, para se conhecerem essas leis, preciso é que se estudem
as circunstâncias em que os fatos se produzem e esse estudo não pode deixar de ser fruto de
observação perseverante, atenta e às vezes muito longa.
Objetam, porém, algumas pessoas: há freqüentemente fraudes manifestas.
Perguntar-lhes-emos, em primeiro lugar, se estão bem certas de que haja fraudes e se não
tomaram por fraude efeitos que não podiam explicar, mas ou menos como o camponês que
tomava por destro escamoteador um sábio professor de Física a fazer experiências.
Admitindo-se mesmo que tal coisa tenha podido verificar-se algumas vezes, constituiria
isso razão para negar-se o fato? Dever-se-ia negar a Física, porque há prestidigitadores que
se exornam com o título de físicos? Cumpre, ao demais, se leve em conta o caráter das
pessoas e o interesse que possam ter em iludir. Seria tudo, então, mero gracejo? Admite-se
que uma pessoa se divirta por algum tempo, mas um gracejo prolongado indefinidamente se
tornaria tão fastidioso para o mistificador, como para o mistificado. Acresce que, numa
mistificação que se propaga de um extremo a outro do mundo e por entre as mais austeras,
veneráveis e esclarecidas personalidades, qualquer coisa há, com certeza, tão extraordinária,
pelo menos, quanto o próprio fenômeno.

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